Internet multiplicou possibilidades de distribuir fontes

Postado em: 17 / 12 / 2009

Maria Edicy Moreira

O mercado de fontes (tipografia) era um antes da Internet e outro depois do surgimento da rede mundial. Esse poderoso meio de comunicação democratizou a distribuição de fontes e estimulou os desenvolvedores a criar e vender novos tipos porque na Internet as ferramentas de comunicação e venda são iguais para todos, só depende da criatividade de cada um na hora conceber suas fontes.

Hoje, seja pela sua própria iniciativa ou por intermédio das empresas especializadas, typefoundries, qualquer um pode licenciar suas fontes e entregá-la em minutos, em um processo semelhante ao download de softwares pela Web. Assim para chegar aos seus clientes os typedesigners ou desenvolvedores de fontes não dependem mais de meios físicos (CDs pelo correio, motoboy etc.) para entregar suas criações.

Talvez por isso o número typedesigners e de fontes cresce de forma significativa, principalmente na Europa e Estados Unidos, onde há escolas que oferecem desde cursos básicos e até pós-graduação em tipografia. O Brasil ainda é um iniciante no assunto, mas o número de typedesigners e suas criações vêm crescendo.

Dado Queiroz, titular do EstúdioCrop, observa que todos os anos há algum representante brasileiro no mestrado de tipografia em Reading, na Inglaterra, o que por si só já é um testemunho do grau de comprometimento e de demanda por especialização no Brasil. Enquanto isso, cada vez mais trabalhos acadêmicos envolvem produção de fontes ou o estudo delas fazendo a tipografia difundir-se cada vez mais no cenário nacional.

A democratização da distribuição de tipos pela Web vem despertando o interesse em uma infinidade de profissionais interessados em atuar no mercado e, como em qualquer outro setor, existem as boas criações e as ruins. Diante dessa realidade a seleção das typefoundries também pode ser rigorosa ou não.

“Algumas revendedores de tipos digitais optam por publicar poucos produtos com alto nível de exigência técnica e estética, enquanto outros optam pela lógica liberal – publicam tudo – e deixam que o próprio mercado (os compradores de fontes) regule o que considera bom ou ruim. Hoje trabalho com empresas das duas tendências e vejo que ambas as políticas tem suas vantagens e desvantagens”, afirma o typedesigner, Ricardo Esteves.

Isso acontece lá fora e no Brasil onde a quantidade de tipos ainda é pequena, mas a qualidade de alguns trabalhos desenvolvidos é de primeira, não devendo nada aos países com tradição no mundo tipográfico. Vários brasileiros já ganharam prêmios internacionais e se articulam com grandes empresas de tipografia digital. É claro que existem profissionais bons e ruins, mas o saldo é positivo.

Esteves vende suas fontes por meio de revendedores como MyFonts.com, AscenderFonts, T26, Linotype e na Monotype. Existem também alguns casos de pessoas que entram em contato direto com ele, pelo site OutrasFontes.com, sua foundry independente.

Hoje seu catálogo possui cinco famílias tipográficas, totalizando 16 fontes. As famílias já publicadas são: Maryam, Scrivano, Jana Thork, Gaia e Hachura. Os preços das fontes unitárias sob o catálogo Outras Fontes variam de US$ 20 a US$ 30. As famílias completas (com duas a seis fontes) variam entre US$ 45 e US$ 70.

As fontes concebidas por Dado Queiroz chegam ao mercado por intermédio de uma parceria entre sua typefoundry, EstúdioCrop, e a distribuidora MyFonts. Há também a opção de venda direta via PayPal, mas que não é muito utilizada por ser menos prática que a operação pela MyFonts, que permite o download imediato.

Atualmente o peso individual custa US$ 19,90 ou US$ 24,90, sendo que há descontos para compras casadas. No futuro, Queiroz pretende abrir novas faixas de preço, para acomodar diversos estilos de fontes, destinados a vários bolsos. Gustavo Piqueira, sócio da Rex Design, vende suas três fontes, Bizu, Motordrome e Cabourg, pela distribuidora norte-americana T26. Os valores variam US$ 19,00 a US$ 69,00 (os seis pesos da Cabourg).

O desafio para quem trabalha no Brasil é criar a cultura da compra e uso de fontes especiais. Poucos designers e outros profissionais da área de comunicação cultivam esse hábito. Isso faz com que o mercado para os typedesigners brasileiros ainda seja maior no exterior. A comercialização das famílias tipográficas criadas no Brasil é feita principalmente nos Estados Unidos e Europa.

Pirataria

Assim como os softwares, as fontes digitais também são alvo de pirataria, muita gente no mundo todo e, principalmente no Brasil, ainda considera as fontes como produtos grátis que podem baixar da Web a qualquer momento. Para Ricardo Esteves a pirataria é um problema cultural e os designers que usam fontes sem pagar estão dando um tiro no próprio pé.

Se a pirataria é inevitável, então que tal buscar uma solução para proteger as fontes que trafegam pela Web, aparentemente sem dono. Existem typedesigners que procuram se proteger, outros negociam a legalização e um terceiro grupo acha que não há solução para o problema a não ser pela criação de uma cultura em relação à tipografia, conscientizando as pessoas sobre valor autoral das fontes que deve ser respeitado.

Cabe aos designers explicarem e introduzirem a cultura no mercado, apontando o ganho de imagem quando a empresa adota uma fonte institucional. Algumas typefoundries já estão praticando preços e pacotes especiais para o Brasil.

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Ricardo Esteves é daqueles que preferem o diálogo. “Quando vejo minhas fontes sendo pirateadas, aviso se tratar de propriedade intelectual, fruto de vários meses de trabalho e dedicação intensa. Peço para comprarem as licenças de uso das fontes e explico que isso é um modo de incentivar os profissionais da área a continuarem a produzir coisas novas. Em geral, as pessoas entendem o recado”.

Para Dado Queiroz, como toda a propriedade intelectual que gera receita através de royalties, a produção tipográfica também se encontra em um momento de revisão de práticas e métodos, em um mundo em que cada vez mais tudo parece pertencer a todos.

Além da produção de famílias tipográficas completas com caixa-alta, caixa-baixa, numerais, sinais de pontuação, sinais diacríticos etc. para uma grande quantidade de idiomas, símbolos monetários e outros sinais para-alfabéticos, ofertadas ao público em geral, os typedesigners têm a possibilidade de desenvolver fontes exclusivas, sob encomenda, seja para identidades de empresas, uso em revistas e jornais etc. e assim fugir da pirataria. Porém não podemos esquecer que esse é um mercado restrito, o mercado das massas é o das fontes disponíveis na Web ao alcance de todos.

Os typedesigners dizem que a pirataria sempre existiu no mundo digital e, dentro dos moldes que temos hoje, é utopia pensar que terá fim. Os canais de distribuição ilegais se multiplicam e são cada vez mais fáceis de acessar. É preciso confiar em um vago “código de honra”, afinal, é uma questão de consideração pela disciplina design (enquanto projeto) como um todo.

Por isso, alguns typedesigners preferem focar suas energias em produzir e vender mais fontes em vez de pensar em métodos de evitar o que parece inevitável. “Prefiro moldar minha produção e distribuição pensando em quem age corretamente. Piratas não merecem minha preocupação”, afirma Dado.

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O designer, Gustavo Piqueira, também não gasta energia com piratas, por outro motivo. Criar fontes não é sua atividade principal, por isso, ele diz querer que as pessoas usem suas fontes mesmo que sejam pirateadas porque não as faz para ganhar dinheiro.

Para fomentar a cultura da compra de fontes a designer Cecília Consolo vem organizando exposições de fontes desde 2000, quando fez a curadoria da “Tipografia Brasilis”. Em 2008 organizou a exposição “Tipos Latinos”, que veio acompanhada de eventos paralelos como oficinas, palestras e workshops. As fontes desta última exposição, concebidas em diversos países latinoamericanos, podem ser vistas em: www.tiposlatinos.com/2008.

Inspiração ou repertório?

A inspiração para a concepção de novas fontes pode vir de vários lugares, leitura de livros e épocas passadas. Ricardo Esteves prefere pensar em termos de repertório e referências em vez de inspiração. Suas criações são reflexos do que vê, do que lê ou vem do trabalho de outros designers e artistas que admira.

“Minhas influências são várias, mas acredito que quanto mais estudo o que foi o desenvolvimento na escrita e na tipografia ao longo dos séculos, mais tenho repertório para produzir coisas interessantes. Outra coisa que me leva a um ganho qualitativo é o exercício. Quanto mais pratico (muitas vezes na base da tentativa e erro) maiores são as chances de desenvolver famílias tipográficas bem resolvidas”, diz Esteves.

Combinando formas, é assim que trabalha Dado Queiroz. “Inspiro-me em formas que me interessam por qualquer motivo e no prazer de desenvolvê-las em um sistema que precisa, ao mesmo tempo, ser uniforme e também ter diferenças significativas entre os caracteres para tornar o alfabeto criado legível. Acho essa tensão interessante.”

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Comentários (1)

 

  1. Thiago Reginato disse:

    ricardo , entrei no seu site outrasfontes, e achei elas maravilhosas, gstei muito mesmo!…..espero um dia podermos trocar uma ideia, sou estudante de design da espm – sp……resumindo, apreciei bastante seu trabalho! parabens!….espero um dia fazer algo assim e melhor!

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