Basta uma letra para contar uma história

Postado em: 06 / 12 / 2010

 

Fabio Haag (Foto Vincent Connare)

Fabio Haag (Foto Vincent Connare)

Fabio Haag

Todo artista gráfico sabe que uma fonte como a Times transmite mais seriedade do que uma Helvetica, que por sua vez, possui um ar mais contemporâneo. É algo instintivo, senso comum. Assim como a cor azul transmite segurança e o vermelho, paixão, desejo, fome.

No fundo, há uma razão para a associação dessas cores com certas emoções, e com as fontes não é diferente. Compreender as características de design faz com que uma tipografia transmita determinados conceitos fundamentais para racionalizarmos a nossa escolha de fontes, ou ainda, projetarmos logotipos com mais fundamentação conceitual.

Existem dois grandes parâmetros a serem avaliados. Em primeiro lugar: cada letra carrega consigo a ferramenta com a qual ela foi escrita. A diferença mais evidente entre uma fonte como a Times e a Helvetica é o contraste – a diferença de espessura entre os traços grossos e finos.

O alto contraste presente na Times deriva dos traços executados com uma pena caligráfica, a principal ferramenta utilizada para a escrita até a invenção dos tipos móveis, por volta de 1500. Seus traços carregam, portanto, uma rica herança clássica.

A

No extremo oposto, fontes como a Helvetica, Univers e Arial possuem pouco contraste grosso/fino, distanciando-se do modelo caligráfico clássico, nos parecendo então mais contemporâneas.

Busca uma letra com tom informal? Basta pegar uma ferramenta informal. Uma caneta hidrocor com ponta arredondada é unânime entre as crianças. Imagine seu traço sobre o papel: linhas homogêneas (pouco ou nenhum contraste grosso/fino) e terminações arredondadas. Lembrou da Comic Sans? Essa e uma infinidade de fontes com espírito informal compartilham dessas características.

B

Você pode tentar desenhar a letra “n” serifada da Times com uma caneta hidrocor que o resultado não será elegante, como o alcançado com uma caneta caligráfica. É impossível esconder o tom informal que as terminações arredondadas possuem. Toda ferramenta, involuntariamente, transmite a sua história às suas letras.

As terminações – o acabamento nas extremidades das hastes das letras – podem ser consideradas detalhes pequenos, porém, são essenciais para definir o tom de voz da tipografia. Nas fontes corporativas que projetamos para a TUI, a operadora de turismo líder na Europa, o briefing pedia uma fonte com um tom de voz amigável e convidativo, com uma sutil informalidade.

Entretanto, essa informalidade não poderia ser exagerada, a ponto de a empresa parecer amadora e brincalhona. Assim, desenhamos terminações que não são nem planas nem totalmente redondas: um meio termo entre esses opostos, um meio termo entre esses conceitos.

C

Observe na imagem acima como é possível controlar o conceito a ser transmitindo manipulando sutis características de design: a terminação levemente arredondada na fonte para a TUI está entre uma fonte comum, com terminações planas, e uma Comic Sans, com terminações redondas, comunicando com precisão o exato conceito desejado pela marca TUI – informalidade, na dose certa.

O segundo ponto a ser considerado é a construção da letra. A Comic Sans não é informal apenas devido à sua ferramenta – ela é escrita de forma irregular, espontânea, com pouco cuidado – informal. Já a Times possui uma construção tradicional, comum, de acordo com aquilo que estamos acostumados a ver á há séculos.

D

A imagem acima é a sobreposição com transparência de diversas fontes de estilos distintos. A forma escura que emerge dessa composição revela áreas predominantes em qualquer estilo, áreas em comum. É a forma genérica a qual nosso cérebro reconhece as letras “a” e “e”. Construções que fogem desse modelo tradicional frequentemente são consideradas contemporâneas, como alguns caracteres alternativos que projetamos na fonte corporativa para a UrbanSplash.

E

Quanto mais comum, mais tradicional; quanto mais ousado, mais contemporâneo.

Mas é preciso tomar cuidado: essas formas que fogem à construção padrão são menos legíveis, pois exigem mais tempo para que o nosso cérebro as reconheça, sendo formas não usuais.

Lembre-se, as letras contam histórias. Tenha você as escolhido com cuidado para estarem alinhadas à estratégia de sua marca ou ao conceito do seu projeto, ou não.

 

Fabio Haag é typedesigner e diretor da Dalton Maag na América do Sul. A Dalton Maag projeta fontes de varejo para venda online e fontes exclusivas para clientes como Toyota, Puma, BMW e Vodafone, a partir de estúdios em Londres, Brasil e Egito.

Compartilhe

Be Sociable, Share!

Comentários (1)

 

  1. Fabiao! Parabens pelo artigo, esta d +!………Um forte abraço, escreva mais vezes aqui!

Comentar