Kitsch, a influência no design gráfico contemporâneo

Postado em: 03 / 12 / 2009

Há quem acredite que o estilo Kitsch esteja fora de moda ou até ultrapassado, mas de fato sua importância se mantém na contemporaneidade do design gráfico. Esse trabalho demonstra como as referências Kitsch cada vez mais vêm potencializando-se. Essa percepção partiu da análise realizada por meio do ensaio de Jefferson W. Kielwagen intitulado Kitsch & Design Gráfico e da avaliação de outras obras de estudiosos afins.

O presente artigo aborda a defesa teórica em contraposição à prática ou ao “culto ao mau gosto”. Essas referências de design vêm sendo resgatadas com o auxílio dos softwares para computação gráfica a partir dos quais originaram os cliparts, brushes e templates.

Esta pesquisa visa demonstrar o frenesi exacerbado do Kitsch no design gráfico contemporâneo, culminando na utilização indisciplinada dos softwares para computação gráfica tanto por designers que promovem projetos Kitsch, conscientes ou não, quanto por “micreiros”, que manipulam essas tecnologias sem conhecimento aprofundado sobre o projeto de design.

Os estudiosos do fenômeno Kitsch no mundo poderão, por intermédio deste artigo, fundamentar suas pesquisas e conhecer os principais elementos que compõem esse estilo e suas influências no design gráfico contemporâneo.

Com o advento das tecnologias para computação gráfica, é possível fazer uma combinação ilimitada de recursos como: os cliparts, brushes, templates e ornamentos, porém, aliados à semiótica e à metodologia projetual de design, tornam-se agravantes para o desenvolvimento de um projeto com características Kitsch.

O resgate das referências Kitsch e suas influências no design gráfico atual possibilitam a construção de um projeto consciente e a utilização desses recursos em projetos voltados às massas, com pré-fabricação de efeito para o consumidor.

O presente trabalho consiste em um ensaio que visa informar e discutir as influências e o respaldo que o estilo Kitsch obteve durante anos. Avaliar a exacerbação deste estilo na contemporaneidade e sua importância teórica, conceitual e cultural é desvendar as mudanças e conflitos substanciais que foram promovidos nas artes após a revolução industrial.

Conceitos

O Kitsch é pouco conhecido entre os brasileiros, mesmo sendo uma das principais representantes da brasilidade e tropicalismo nacional, a artista Carmem Miranda, que se vestia de modo extravagante, carregada de adornos e ornamentos decorativos, pode ser vista, hoje, como um exemplo do Kitsch brasileiro.

Conforme Jefferson W. Kielwagen (2005), “o Kitsch surgiu por volta de 1860, como um estilo característico dos bens de consumo produzidos industrialmente”, isso de fato é verdadeiro, pois o Kitsch foi concebido na sociedade burguesa da época, que ditava os moldes sob os quais os projetos deveriam ser concebidos e as regras de produção, ou seja, a imposição da cultura burguesa.

Alguns estudiosos afirmam que a origem do nome vem da língua alemã, “kitschen”, que significa atravancar ou construir peças novas com velhas, há outro termo do qual o Kitsch pode ser oriundo, é o “verkitschen”, que significa trapacear ou vender alguma coisa no lugar de outra.

Para melhor entendimento do conceito Kitsch, Kielwagem dá alguns exemplos em âmbito geral como: arquitetura rococó, pinturas com molduras, romances de bolso como Sabrina, penteados extravagantes das apresentadoras de TV e comerciais de shampoo.

Princípios do Kitsch

As características das peças Kitsch são agravantes que permitem identificar se uma obra se enquadra ou não no modelo Kitsch, no entanto, Walther Killy aponta cinco princípios fundamentais do estilo Kitsch:

-Princípio da inadequação: quando há um desvio no objetivo principal, o que pode causar distorção no sentido da peça.

-Princípio da acumulação: faz alusão à cultura burguesa, denominada frenesi (preenchimento de todos os espaços com adornos e texturas). É nesse princípio que se enquadram a extravagância e o popular “brega”. O Kitsch não deixa vazios, tem horror ao vazio e, segundo Moles (1994), os ornamentos servem de decoração.

-Princípio da sinestesia: está ligado à acumulação, porém ressalta, ao máximo, outros sentidos. Ex: canetas e cadernos perfumados e sites com fundo musical.

-Princípio do meio termo: é o que define o Kitsch o mais próximo do inovador, pois, em termos conceituais, diz que um objeto deve ser inovador o suficiente para chamar a atenção do público-alvo, sem chocá-lo demais.

-Princípio do conforto: um objeto deve apresentar a sensação de fartura e felicidade. Esse princípio explica os apelos emocionais, oriundos da sociedade pós-revolução industrial, que se acostumou rapidamente com o conforto proporcionado pela tecnologia. Muitas vezes esse princípio tem sido aplicado nas campanhas publicitárias atuais, porém sutis e comoventes, cativando o público-alvo. Ex: comerciais de margarina e absorventes.

Discussões

O estilo Kitsch de arte faz alusão e promove discussões em torno do exagero e características que alguns autores definem como mau gosto nas peças. Atualmente, referências Kitsch ganham espaço na concepção de projetos gráficos, pois com o advento de programas para computação gráfica, a utilização ilimitada de seus recursos vem se potencializando.

A arte Kitsch é marcada pela falta de estilo, ou seja, alguns autores o consideram brega, extravagante ou aliada ao mau gosto. Umberto Eco (1991) caracteriza o estilo como qualquer meio de comunicação que venha a provocar algum tipo de efeito no receptor da mensagem, ou seja, a pré-fabricação de efeitos.

Entender o Kitsch simplesmente como uma arte brega e exagerada é um equívoco, já que, estes fatores são apenas características do período e não determinantes para definição de um estilo que envolve fenômenos sociais e a imposição da cultura burguesa às artes. Moles (1994), no ensaio de sua obra ‘O Kitsch’, ressalta que o Kitsch pode ser “produto do excesso de meios face às necessidades”, e “um excesso de espírito que se cristaliza nos objetos”.

Analisando as afirmações de Moles é possível perceber que “um produto do excesso de meios face às necessidades” está se referindo a um produto que é concebido no meio burguês sob as necessidades impostas por esse meio e “um excesso de espírito que se cristaliza nos objetos.” Trata-se dos sentimentos dos artistas da época, que projetavam naquelas circunstâncias e que também refletiam seus anseios nas peças então produzidas.

Do objeto Kitsch à influência no design gráfico atual

Kielwagen nos revela que o Kitsch é muito dinâmico e pode entrar e sair de moda. O autor realiza um paradoxo entre artista e obra, por exemplo, quando um designer se utiliza de referências Kitsch em seu trabalho, pode transformar o mau gosto em bom gosto, com sofisticação. Logo, isso não é possível, porque quando uma peça se torna Kitsch reúne todos os princípios anteriormente citados, e o Kitsch toma conta do que é sofisticado, tornando-o novamente arte medíocre.

Os estereótipos são fatores comuns no objeto de arte Kitsch, pois se apresentam heróis e personagens do cotidiano popular, com posições sociais bem definidas: a dona de casa feliz com afazeres domésticos, o pai de família que trabalha fora e veste-se de terno e gravata, a vovó que é uma grande cozinheira etc. Isso se deve ao fato de que a sociedade que originou o Kitsch primava tais valores e uma sociedade estável. Contudo, ainda hoje, nas produções gráficas percebem-se os estereótipos que são facilmente aceitos e assimilados pelo público consumidor, que se identifica com a obra.

O objeto Kitsch tem a característica da inautenticidade, de imitar materiais ou outras peças para constituição de outra obra. No entanto, o objeto Kitsch sempre será decorativo e ilusório, mesmo que seja banal e sem valor algum. Ex: produtos de lojas de utilidades.

Enquanto a vanguarda (na sua função de descoberta e invenção) imita o ato de imitar, o Kitsch (entendido como cultura de massa) imita o efeito da imitação. A vanguarda ao fazer arte, põe em evidência os processos que levam à obra e os elege para o objeto do próprio discurso; o Kitsch põe em evidência as reações que a obra deve provocar e elege como finalidade da própria operação a reação emotiva do consumidor. (Moles, 1974).

As características citadas acima fizeram com que o Kitsch fosse visto com maus olhos durante os anos. Desse modo, são pertinentes as considerações que Kielwagem faz sobre a conotação pejorativa que o Kitsch recebeu, já que a sociedade que o concebeu visava o funcionalismo pleno, síntese e simplicidade das formas. Veja abaixo:

“Dados tais princípios, não é nenhuma surpresa que o Kitsch tenha acumulado conotações pejorativas com o passar dos anos. É compreensível, se observarmos que ele foi identificado pela primeira vez em um país que valoriza o funcionalismo e a simplicidade e que veria nascer a Bauhaus, algumas décadas mais tarde. (Kielwagen, 2005, p. 24)

De fato o Kitsch não foi somente um estilo, mas sim um movimento cultural que se manifestou nas artes, na literatura e nos projetos gráficos de design. Uma obra pode sim, ser classificada como Kitsch sem deixar de ter valor e relevância para determinado período, basta apenas uma análise sobre os aspectos que compõem a obra não seja banal nem moralista por parte do analítico.

O movimento Kitsch surgido na pós-revolução industrial e absorveu todas as novas tecnologias, materiais e inovações que se tornaram símbolos da posição social da classe média. As novas tecnologias fizeram com que os efeitos pré-fabricados por artistas e consumidos por seu público-alvo, obtivessem um frenesi estético exacerbado. Moles (1994) diz que existem dois períodos distintos do Kitsch: o primeiro vem com a revolução industrial, a burguesia que ascende e impõe sua cultura ao mundo.

O segundo período, “neokitsch”, vem após a segunda guerra mundial, a fabricação de bens de consumo aumenta e então o Kitsch e o funcionalismo se aliam, pois os designers percebem que o Kitsch poderia ser funcional se aplicado em suas peças os efeitos pré-fabricados destinados aos consumidores de massa.

Em 1960, a pop art retoma o Kitsch, adequando os ornamentos e adornos de maneira divertida e bem humorada. Analisando o Kitsch neste contexto podemos perceber que são conflituosas as afirmações de que o Kitsch é um movimento inovador, outrora de decadência cultural.

Kielwagem diz ainda que pode haver um terceiro estágio do Kitsch, seria o Kitsch eletrônico que surgiu por volta de 1990, devido à revolução da informação e dos recursos gráficos e computacionais ilimitados que podem ser usados tanto por designers quanto pelos “micreiros” que tão pouco sabem sobre a metodologia projetual de design.

E ora produzem projetos Kitsch inconscientemente, ora produzem obras com caráter de frenesi exagerado e sem qualquer efeito pré-fabricado, apenas por decoração e desinteresse pelo correto uso dessas técnicas na constituição de suas peças.

Conclusão

A partir da análise do fenômeno Kitsch ao redor do mundo, podemos perceber que na contemporaneidade é impossível escapar do Kitsch no design, pelos seus efeitos pré-fabricados para o consumidor, pela utopia de arte harmoniosa e “arte da felicidade”, princípios decorativos e de conforto visual.

Se considerarmos que o Kitsch é a arte da cultura de massa, não podemos escapar do chamado convencionalismo, pois sempre estamos submetidos a regras para produção, às concessões para atender ao cliente, regras de mercado e ao capitalismo. Esses são fatores de marketing que, mesmo externos aos processos de concepção, influenciam no design.

De fato, deve-se ter cuidado com amadores e “micreiros” que descobriram os recursos ilimitados da computação gráfica, com o advento dos cliparts, brushes e templates, e agora promovem um frenesi exacerbado e ainda têm um crescimento em potencial. Logo, os projetos caminham novamente para a arte medíocre e sem percepção de efeitos pré-fabricados, destinados ao público-alvo.

Contudo, se não podemos escapar do Kitsch, os designers podem, no entanto, utilizar-se desse recurso para elaboração de projetos conscientes, aliados à sinestesia, à pré-fabricação de efeitos, no intuito de emocionar e persuadir o público-alvo. São demonstrações do uso bem aplicado dessas referências no design gráfico atual: a interatividade, a hipermídia, a multimídia e a Web.

Reunir os princípios Kitsch no intuito de tornar o projeto consciente e não apenas decorativo, é tornar a obra, ao mesmo tempo sinestésica com apelo intencional, direcionado ao público-alvo.

Sabrina Talita de Oliveira é acadêmica de design – 7° Período, na Universidade do Oeste de Santa Catarina, UNOESC – Campus Xanxerê. Atua como responsável pelo projeto gráfico e diagramação da Revista Anna Loide

bina_designxxe@yahoo.com.br

Referências bibliográficas:
ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1991.
KILLY, Walther. Deutscher Kitsch. Goettingen: Vandenhoek em Rurpecht, 1962.
MOLES, Abraham. O Kitsch. São Paulo: Perspectiva, 1991.
KIELWAGEN, Jefferson Wille. Kitsch e Design Gráfico. Joinville: Editora Independente, 2004.

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