Mesa redonda – Cursos de design

Postado em: 17 / 12 / 2009

Maria Edicy Moreira

O que os acadêmicos esperam do futuro dos cursos de design? Essas e outras questões foram tema de mesa redonda “O ensino de design” organizada pelo site BDxpert, com a participação dos coordenadores de cursos de design: Mônica Moura, da Anhembi Morumbi; Antônio Busnardo, da UnG; Milton Francisco Júnior, da FAAP; Sérgio Casa Nova, da Belas Artes, e a professora Ariane Cole, da Universidade Mackenzie. Veja a seguir os melhores momentos do debate:

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BD – Quais são os desafios para se manter uma escola de design?

Busnardo – Manter uma escola de design hoje e formar bons profissionais tem um custo alto porque temos que investir em computadores e softwares, mas também não quero dizer que só isso irá formar bons profissionais. O que nós precisamos é ter pesquisadores que ainda não temos.

Mônica – A pesquisa é muito importante porque é com a pesquisa que formamos bons profissionais, é preciso considerar também a cultura. Temos que nos perguntar: Que homem é esse? O que está acontecendo com a nossa cultura? É preciso quebrar os muros dos departamentos e desenvolver projetos em conjunto. Aí está a maior experiência na formação dos designers, envolvendo a criação, a tecnologia e os conceitos projetuais.

Milton – Um dos desafios é manter uma estrutura tecnológica atualizada porque isso exige um investimento alto. Outro problema é mostrar aos alunos que aprender design não é só aprender a usar tecnologias. Os alunos do ensino médio foram se afastando do desenho e se apegando mais à tecnologia, por isso, chegam à universidade despreparados para trabalhar com desenho e, nosso desafio é mudar essa mentalidade.

Ariane – Para formarmos bons designers devemos estar atentos às demandas da sociedade, desenvolver no estudante a capacidade criativa para identificar e também criar novas possibilidades de atuação profissional. Temos que desenvolver nos estudantes a capacidade de pesquisa, análise crítica para que aprendam a organizar as informações, os pensamentos e as ações.

Sérgio – A tecnologia vai além da atualização. Desde que comecei a estudar design, na década de 70, o perfil do profissional mudou muito e não estamos falando apenas da tecnologia e das novas mídias que mudaram muito a forma de atuar do designer e, formar esse novo designer é um desafio. Estamos tratando com jovens que estão sendo bombardeados pela mídia com informações sobre design e muitas vezes não é o correto. Mudar a cabeça dos alunos quando chegam à universidade é nosso desafio. Quanto ao desenho, temos alunos que chegam e perguntam se é preciso desenhar para poder estudar design. Eu digo que para entrar na universidade não é preciso, mas para sair precisa. É necessário também gostar de desenhar porque não consigo entender alguém que desenha formas sem desenvolver o raciocínio espacial, construir as formas no cérebro e depois comunicá-las às pessoas. Para mim o desenho é a pedra fundamental.

Milton –
Com a visão de glamour do design estabelecida pela mídia é preocupante porque os alunos começam a achar que vão se formar sem saber desenhar, sem a arte, a cultura e a história. Eles dizem que há profissionais que se formaram em desenho industrial e não precisaram estudar isso.

BD – O aumenta a concorrência faz com que muitas escolas adotem entrevistas rápidas e processos seletivos meramente figurativos. Até que ponto esse tipo de avaliação interfere na qualidade dos profissionais que sairão das escolas de design?

Sérgio – Temos que trabalhar com a realidade, não adianta chorar sobre o leite derramado. O processo seletivo não é mais seletivo. Nós não fazemos entrevistas, mas se a entrevista for feita por alguém capacitado acho que tem valor. Agora, se a entrevista for feita pelo marketing, não tem valor. Com o grande número de vagas o processo seletivo já não é seletivo e no futuro pode até deixar de existir. Hoje o processo seletivo como está só permite mostrar o perfil dos alunos que estão chegando à universidade.

Ariane – Vejo que mais do que interferir na qualidade do corpo estudantil esse tipo de seleção interfere também na sociedade porque cai a qualidade dos profissionais que estão chegando ao mercado e o desafio de formar pessoas fica muito maior.

Milton – A FAAP ainda mantém o vestibular tradicional. Quanto à entrevista, se for realizada pelo pessoal processo seletivo, pelos atendentes, não tem validade, mas se tiver uma pessoa capacitada para fazê-la pode apresentar resultados positivos. Nós estamos oferecendo aos 10 primeiros colocados no vestibular, bolsas de até 100%. Acreditamos que com isso os alunos vão se esforçar para tirar boas notas para conseguir a bolsa e assim buscamos os melhores alunos.

Mônica – Temos que lembrar que estamos sob uma legislação que impõe o vestibular. O processo seletivo já se apresenta falido. E não é só nas escolas particulares. O próprio MEC acaba de anunciar que as principais escolas públicas também poderão passar a usar apenas as notas do ENEM. É preciso cuidado para que as escolas de ensino médio não comecem a formar os alunos só para o processo seletivo e para o ENEM. A entrevista possibilita o conhecimento do repertório e do universo cultural do aluno, é melhor que o processo seletivo porque podemos saber mais como é a sua formação. Temos que ir mais longe nessa questão da seleção dos alunos. Nós recebemos alunos com grandes lacunas na sua formação cultural e com deficiências na formação do ensino médio, mas não adianta ficarmos criticando, temos que trabalhar para ampliar o repertório desse aluno.

Busnardo – O atual processo seletivo é uma grande farsa, as entrevistas acabam sendo outra farsa formando um teatro de sombras, o que precisamos saber é que a progressão continuada (sem reprovação) no ensino médio e fundamental está fazendo os alunos chegarem à universidade com uma grande carência de conhecimento e o processo seletivo ou as entrevistas não vão mostrar o universo cultural dos alunos. As universidades precisam estar preparadas para suprir essa ausência de conhecimento. Na UnG nós já estamos fazendo isso, os alunos dos cursos de design estão aprendendo português e até matemática com o auxílio dos alunos dos cursos de licenciatura em Letras e Matemática. A grande dificuldade é como fazer um filtro e ampliar o repertório cultural dos alunos que chegam à universidade, se vivemos em um país em que a cultura e menosprezada. Talvez esse seja o maior desafio, como transformar culturalmente o aluno que entrou na universidade por modismo.

Milton – Nós trabalhamos para que os alunos que têm entrada muito ruim saiam muito melhor e temos nos saído muito bem nas avaliações do MEC. Estamos fazendo o melhor que podemos. As escolas estão fazendo seu papel. Os resultados podem ser vistos nos profissionais que estão chegando ao mercado. Superando países como Itália, Alemanha em concursos internacionais.

BD -
O que os alunos estão pedindo em termos de ensino?

Busnardo – Eles chegam com uma grande ansiedade para sentar à frente do computador e, até eles descobrirem o que é design e o que eles precisam aprender para se tornar designers um bom tempo já passou. Quando eles descobrem que podem fazer tudo sem computadores, softwares e os celulares, eles querem ver exposições, ler outros textos, querem saber o que está acontecendo enquanto análise crítica do mundo.

Mônica – Normalmente nossos alunos pedem experiência prática e tecnologia. Se for aluno de novas mídias, design digital… eles pedem tecnologia e alunos de design gráfico impresso e design de moda pedem a prática. Aí está nossa oportunidade de mostrar que a tecnologia não é pura técnica, que tem uma linguagem que precisa ser entendida estudada como tal, e mostrarmos que a teoria também tem um lado prático.

Milton – Os alunos chegam querendo prática. Em todas as profissões os alunos chegam ansiosos, eles querem começar a projetar e a criar sem um embasamento. Quando chegam ao primeiro semestre vêem uma avalanche de disciplinas teóricas e ficam decepcionais, se perguntando: Por que tanta teoria, porque estou estudando, cores, psicologia? Depois eles vão amadurecendo, aos 17 anos eles não têm essa maturidade para enxergar a importância da formação básica, mas quando chegam ao final do segundo semestre já ficam empolgados, começam a criar um corpo crítico e reconhecem a imaturidade quando queriam projetar sem ter conteúdo, sem ter base.

Ariane - Na Mackenzie os alunos estão pedindo mais flexibilização na grade curricular, mais disciplinas optativas de outras áreas de conhecimento, elaboração de projetos multidisciplinares e atividades complementares.

Sérgio – Existe muita diversidade de aspirações quando os alunos ingressam em um curso de design. Os alunos de design gráfico confundem design gráfico com computação gráfica. Eles vêm com o anseio de ser esclarecidos e nós não podemos abrir mão dessa obrigação.

BD – As questões relativas ao currículo já foram resolvidas

Milton – A estrutura curricular nunca é resolvida, isso não existe pelo fato de estarmos vivos, nós estamos sempre pesquisando, estudando e a pesquisa científica é a maior motivadora das mudanças na grade curricular. Em função da pesquisa (mestrados, doutorados) foi se percebendo que era necessário mudar a estrutura curricular. Nós estamos buscando o que seria melhor para o aluno, não somente suprir o que está sendo pedido pela comunidade, pelo mercado e pelo MEC, mas acima de tudo para chegarmos à frente. Como o designer trabalha com inovação temos que propor uma estrutura curricular para que os alunos cheguem à frente e aí talvez o MEC comece a perceber que terá que ser mais flexível. O MEC não engessa por completo, mas se a escola quiser oferecer algo a mais, as faculdades estão engessada, as universidades podem fazer mudanças e ter aprovação do MEC mais rapidamente. Qualquer mudança manda proposta vem avaliadores do MEC e isso leva de dois a três anos para iniciar um curso novo.

Mônica – Eu sou da época em que a grade curricular era totalmente engessada. Hoje as diretrizes que regem toda a área de design são bastante flexíveis. Ela fala de áreas a serem trabalhadas não de disciplinas. Deixa claro que o projeto pedagógico é da instituição. Fala em iniciação científica. Implantamos design na Anhembi em 94, quando não havia as Diretrizes do MEC, e começamos com disciplinas optativas e projetos interdisciplinares muito consistentes que depois foram surgindo nas Diretrizes do MEC. As mudanças curriculares precisam existir sempre. Há cada quatro ou cinco anos há necessidade de mudar a grade curricular.

Busnardo – Essa idéia de currículo não existe mais. Hoje existe um currículo mínimo e o MEC gosta de falar de Matriz Curricular. As diretrizes apontam possibilidades, elas não engessam as universidades e centros universitários. As Diretrizes dizem que o projeto pedagógico tem que estar de acordo com a universidade, com a comunidade e com a região da escola. Não existe uma rigidez na definição da Matriz Curricular, mas depois vem o instrumento de avaliação que dificulta as mudanças propostas também pelas universidades. Isso emperra as mudanças na grade curricular e a implantação das diretrizes de acordo com as necessidades locais previstas pelo MEC.

Ariane – Nós estruturamos uma nova grade curricular que está sendo implantada aos poucos. Não tínhamos sociologia, antropologia nem ecologia que agora foram inseridas na grade do curso de design, a disciplina de metodologia científica que ficava no final do curso passou para o primeiro semestre. Também inserimos na grade curricular a disciplina de gestão do design.

Sérgio – Eu diria que temos poucas questões resolvidas e acho isso muito bom porque estamos em uma profissão que está sempre em transformação e no dia em que acharmos que resolvemos todas as questões da grade curricular estaremos mortos e vão aparecer outras coisas que nós vamos ter que adaptar. Eu, como coordenador do curso de design na Belas Artes, tenho feito análises de aproveitamento em escolas de design pelo Brasil e as análises me surpreendem com coisas muito boas e coisas esquisitas na grade curricular. Isso ocorre por causa das necessidades regionais, uma escola no Amazonas tem necessidades diferentes de uma escola de São Paulo. As diretrizes deveriam contemplar tudo isso. Estou muito feliz por ainda não termos solucionado todas as questões relativas à grade curricular.

BD - Quais são os pontos positivos e negativos dos cursos alternativos de design: técnicos e tecnológicos sequenciais?

Sérgio – Existem pontos positivos e negativos nos cursos de dois anos. Foi criado um ufanismo sobre as expressões tecnólogo e tecnológico para a formação de técnicos. Todas as áreas precisam de técnicos que não sejam bacharéis. Existe também uma demanda da sociedade para que se formem técnicos, o mais rápido possível, e profissionais de nível superior. Então os cursos tecnológicos sequenciais foram desfigurados nos seus objetivos iniciais. A meta do MEC com os cursos sequenciais era atender às pessoas que já trabalham e essas pessoas não foram procurar esses cursos, são os alunos saídos do ensino médio que estão entrando nesses cursos. O ponto negativo é corte de disciplinas do curso de bacharelado para formar profissionais incompletos com cursos de dois anos, os sequenciais. Essa experiência já foi feita no passado quando havia grande demanda por técnicos para trabalhar na produção industrial. Criaram o curso de engenharia operacional que mutilava o curso de engenharia de produção. Os alunos entravam nesse curso depois descobriam que não era suficiente e completavam mais dois anos no curso da engenharia de produção. O ponto positivo é que mesmo no design nós temos demanda por profissionais técnicos que podem ser o que hoje confundimos com os operadores de computadores, por exemplo.

Milton – Temos o sequencial FAAP Moda, não é design de moda. Não demos o nome de design de moda porque é um curso sequencial. É importante ter cursos de dois anos e os cursos de quatro ou cinco anos. O tecnólogo tem atuação profissional com seus limites, ele vai atuar na prática. No design gráfico a atuação dos tecnólogos estaria na indústria gráfica acompanhando o trabalho operacional e o designer gráfico com bacharelado criaria a linguagem do trabalho que desenvolve.

Mônica – Os tecnólogos tiveram boa aceitação na sociedade. Tanto em termos dos alunos e das empresas que contratam esses profissionais, existe um número muito grande de técnicos no país. Esses cursos vieram para suprir uma demanda da LDB que lá atrás estabelecia que perante a nossa realidade social e econômica as pessoas teriam que ter a oportunidade de se inserir no mercado o mais rápido possível. Agora, é um problema muito sério diminuir o bacharelado para formar um tecnólogo. O curso tecnológico exige projeto pedagógico específico, tem que ter uma formação específica. Temos tecnólogo nas áreas de animação, de games, não preciso ter um bacharel para desenvolver esse tipo de trabalho. Por outro lado, existe um número muito pequeno de cursos técnicos de design.

Busnardo – A questão é: Qual a finalidade do curso técnico? É para atender quais necessidades da sociedade? Na área de design é difícil perceber a necessidade de profissionais técnicos, mas na área médica, por exemplo, um técnico em radiologia é muito bem-vindo porque os hospitais precisam desses profissionais. Na nossa área a função do designer técnico não é bem delimitada.

BD – O que vocês esperam do futuro dos cursos design

Milton – Eu espero que ensino evolua cada vez mais, o design vem se desenvolvendo muito bem no Brasil. O modelo que recebemos na década de 60, em 64, com a criação do primeiro curso de desenho industrial na Esdi, e em 67, na FAAP, era focado no fazer e hoje os cursos de design estão mais focados no pensar. Eu espero que o design seja a ferramenta estratégica para mudar o país, sem querer ser pretensioso e achar que o design vai resolver os problemas do mundo, mas espero que o design seja um diferencial estratégico que traga valores à sociedade.

Ariane – Acredito que o design seja a ferramenta do futuro, tem um grande papel a cumprir. O design pode ajudar muito a resolver os problemas da sociedade. O design é futuro porque é projetar, criar e projetar é ver adiante.

Sérgio – Eu sou otimista, às vezes a gente ouve: “O país tem mais de 500 cursos de design, o que vamos fazer com isso? Mas eu fiquei sabendo que a China está formando 300 mil designers por ano. Eu entendo que vai existir demanda por designers e já existe porque o Brasil na década de 90 abriu mercado. Quando um país abre as barreiras alfandegárias não é porque quer ser invadido, ele quer se transformar em exportador e hoje, 15 anos depois da abertura de mercado, a indústria brasileira se preparou para isso. Temos um parque industrial atualizado e competitivo o que quer dizer que as indústrias adquiriram competência operacional e hoje são capazes de produzir produtos com qualidade e a preços competitivos. A nossa dificuldade em tornar exportador está na dificuldade em aplicar nossa cultura nos nossos produtos. Alguém fala: “O brasileiro é criativo, mas porque o Brasil é criativo? A razão de sermos criativos é que a nossa cultura é muito rica, nós vivemos em uma cidade (São Paulo) onde nada é estranho para nós convivemos com judeus e árabes nas mesmas salas de aula, com negros, com brancos… As culturas oriental, negra… permeiam nossa cultura, e nossos cursos de design vão dar resposta a essa demanda.

Mônica – Não vejo nenhum problema em ter 500 ou 1000 cursos de design pelo país. Aliás, foi a multiplicação dos cursos de design últimos anos que permitiu a divulgação da profissão, que se fala mais sobre ela, ainda que de forma equivocada. Quando me formei nem falava que era designer era desenhista industrial porque era muito difícil de explicar. Em termos de futuro o curso de design ideal para mim seria o curso sem disciplinas e grades curriculares. Sonho com cursos desenvolvidos com base em projetos que supririam todas as necessidades de conhecimento sem ter disciplinas separadas, carga horária. Eu gostaria de ver a formação de mais professores. Hoje falamos muito nos alunos, no currículo, mas esquecemos dos professores que não precisam ser só atualizados, eles precisas ser preparados porque vivemos uma sociedade com muitas mudanças. Falta a formação como temos na licenciatura em Letras, Arte, História.

Busnardo – Eu espero que as escolas e os designers se voltem às necessidades sociais, eu penso muito na necessidade social. Se perguntar a qualquer pessoa se consume design a maioria vai dizer que não porque é coisa para rico. Meu anseio é que se forme designer críticos socialmente e politicamente e que sejam educadores sociais.

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