Para onde vão os cursos de design gráfico? Para onde vamos nós?

Postado em: 17 / 12 / 2009

Sérgio Casa Nova

Em 1975 eu, estudante de Desenho Industrial, frequentava as reuniões da extinta ABDI- Associação Brasileira de Desenho Industrial e, humilde e embevecido, ouvia o que lá diziam os grandes nomes, pioneiros do design gráfico no Brasil. No entanto, surpreendia-me quando afirmavam que o campo do design gráfico estava saturado, “Não Havia Mais Espaço…”, imagine eu estudante na iminência de graduar-me, ouvir isso dos designers de sucesso a quem eu respeitava e sonhava seguir a mesma trajetória: Era uma ducha de água fria em minhas pretensões.

Como assim? Saturado? Se a maior parte dos projetos era desenvolvida por pessoas sem formação em design gráfico? Por pessoas talentosas e pragmáticas? Ou pior, eram meras cópias de objetos importados. A maior parte dos trabalhos de Design Gráfico era desenvolvida pelas agências de propaganda e pelos artefinalistas, “Free-lancers”, entre outros (assim como eram chamados na época).

Pensavam assim, porque horrorizados assistiam à proliferação das faculdades de desenho industrial e comunicação visual em todo o Brasil, e haviam somente 19 escolas reconhecidas. Imagine hoje com centenas de cursos na área do design o espalhados pelo Brasil inteiro. Eu, ainda jovem, já havia conquistado alguma estabilidade no emprego em uma grande multinacional, recebia um bom salário e discordava daquilo que era voz comum. Nesta época eu tinha a oportunidade de ver como eram desenvolvidos os produtos brasileiros.

Em verdade o campo de trabalho não estava saturado, nunca esteve, estava ainda para ser desbravado. O tempo passou e mostrou que a minha crença não era ingênua: Era verdadeira. Porém, os “Arautos do Apocalipse” ainda existem, ainda hoje ouço vozes apocalípticas, nos congressos de estudantes de design. Outro dia assisti a um vídeo, chamado “A folha que faltou no caderno” (ou coisa parecida…): recheado de entrevistas apocalípticas de professores, destilando suas frustrações sobre os estudantes. Aiiii… Valei-me Santo Expedito…

Um empresário e grande amigo meu afirmava estupefato: “Existem dois tipos de professores: os apocalípticos para quem tudo está perdido e os messiânicos que acham que vieram salvar o mundo. Nem uma coisa nem outra! O mundo não vai acabar tão cedo.

E hoje como estão os cursos?

Eu diria que hoje temos algo com o que balizar nossas atividades que são as Diretrizes Curriculares: Resolução Nº 5, de 8 de Março de 2003, a qual determina um perfil das competências necessárias para formar o bacharel em design nas diversas áreas: Produto, gráfico, moda, interiores Web, entre outras, aos olhos do Ministério da Educação.

Embora polêmica, diga-se que em se tratando de cursos de design gráfico e coordenadores de cursos, só poderia provocar polêmicas, visto que os cursos ainda são criados sob a visão dos egos dos coordenadores, assim sendo existem cursos com foco na tecnologia, outros na filosofia, outros ainda na sociologia. Enfim as diretrizes permitem essa diversidade de visões.

Importante lembrar que o design está classificado, aos olhos do CNPQ, no grupo das Ciências Sociais Aplicadas, o que me parece muito coerente, tendo em vista que o objeto do trabalho do designer impacta diretamente a sociedade, sua cultura e sua produção. É sempre bom lembrar, também, que na história da humanidade a produção foi sempre o grande balizador da cultura e dos costumes dos povos. Estas competências nos ajudam a formar o perfil profissional de formação do designer.

Que competências são estas?

“Capacidade criativa para propor soluções inovadoras, utilizando domínio de técnicas e de processo de criação”. Obvio! A competência fundamental é a criatividade, ela deve ser exercitada durante todo o curso.

“Capacidade para o domínio de linguagem própria, expressando conceitos e soluções em seus projetos de acordo com as diversas técnicas de expressão e reprodução visual”, isto é, qual a ferramenta que o designer usa para solucionar problemas de maneira inovadora? O projeto. O que é um projeto? A rigor seria um plano, ordenado, metódico, em cujo método se assegura a solução de um problema em um determinado tempo.

“Capacidade de interagir com especialistas de outras áreas de modo a utilizar conhecimentos diversos e atuar em equipes interdisciplinares na elaboração e execução de pesquisas e projetos”. Os projetos estão ficando cada vez mais complexos (Isto é muito bom!), necessitam cada vez mais de equipes multidisciplinares e é necessário que o designer consiga interagir com esses especialistas. Felizmente está terminado o tempo em que o designer era projetista do universo.

“Visão sistêmica de projeto, manifestando capacidade de conceituá-lo a partir da combinação adequada de diversos componentes materiais e imateriais, processos de fabricação, aspectos econômicos, psicológicos e sociológicos do produto”. Essa competência, talvez seja a mais expressiva do que se espera do trabalho do designer, é necessário que o designer seja um líder, com visão empreendedora, proativo, com visão do micro e do macro ambiente, atuando como profissional estratégico nas organizações em que está inserido.

Empreendedor

O designer precisa ser um empreendedor? Sim precisa. É necessário que o designer seja capaz de identificar problemas, (através de um processo sistêmico) e transformá-los em oportunidade de trabalho, transformar em renda para si, e riqueza para sociedade.

Domínio das diferentes etapas do desenvolvimento de um projeto, a saber: definição de objetivos, técnicas de coleta e tratamento de dados, geração e avaliação de alternativas, configuração de solução e comunicação de resultados. Essa parec-me ser uma competência óbvia, mas que era necessário que ficasse explicita nas Diretrizes do MEC para os cursos de design, afinal o que fazem os designers?

Fazem projetos, fazem planos, usam os sistemas de projeção para propor soluções, formas, portanto devem dominar o Método, a Metodologia do Projeto e a Gestão do Projeto.

É nessa competência que se estabelece a profissionalização do designer, porque a diferença entre um trabalho profissional e um trabalho amador, é que o trabalho profissional tem um preço (ou um custo) e um prazo (ou um comprometimento), assim sendo é crucial que o estudante de design gráfico tenha consciência que o seu trabalho tem um valor, mas está comprometido com os prazos e com a qualidade.

Nunca mais, ouvir: “Ah! Você é designer? Traga-me uns desenhos, umas idéias para que possamos avaliar sua criatividade. Tenho um sobrinho que desenha bem. Será que ele pode fazer este trabalho?”

“Conhecimento do setor produtivo, de sua especialização, revelando sólida visão setorial, relacionada ao mercado, materiais, processos produtivos e tecnologias abrangendo mobiliário, confecção, calçados, jóias, cerâmicas, embalagens, artefatos de qualquer natureza, traços culturais da sociedade, softwares e outras manifestações regionais”.

Essa competência explica o porquê da proliferação de cursos dedicados aos setores (Produto, Jóias, Gráfico, Web, Moda, Interiores, entre outros). Isso parece razoável, visto que os processos produtivos nos setores são muito diferentes. “Domínio de gerência de produção, incluindo qualidade, produtividade, arranjo físico de fábrica, estoques, custos e investimentos, além da administração de recursos humanos para a produção.”

Ah! Aqui a coisa ficou polêmica!

Parece-me que os analistas se referem apenas ao design de produto. Fábrica? Estoques? Arranjo Físico? Isso é coisa para engenharia de produção! Em verdade, prefiro interpretar a PRODUÇÃO como um conceito mais pragmático, ou seja, a produção não ocorre somente em uma instalação industrial, ocorre também nos serviços, nos bancos, nos estúdios, nos escritórios e agências, nos ateliers dos artistas plásticos, enfim em todos os setores. E é necessário planejar, implementar e controlar a produção, ou seja, gestão da produção é necessária para que as coisas aconteçam no prazo e a custos viáveis.

“AH! Mas o artista não pode! Porque é naturalmente indisciplinado, alienado! Mentira! Maldito Van Gogh. Maldito Modigliani. Depois deles todos os artistas plásticos e pessoas criativas viraram loucos. Mentira! Porque não nos lembramos da disciplina e do compromisso de Picasso? De Portinari? De Brecheret? Enfim, se atentarmos para o trabalho dos artistas contemporâneos veremos que todos têm grande respeito e disciplina com o seu trabalho.”
O designer como o artista plástico necessita, mais do que a maioria dos profissionais, dessa disciplina metodológica, porque seus trabalhos não podem prolongar-se indefinidamente em busca da perfeição idílica. Assim como foi dito: A diferença entre um trabalho profissional e um trabalho amador é que o trabalho profissional tem um prazo e um custo.

“Visão histórica e prospectiva, centrada nos aspectos sócio-econômicos e culturais, revelando consciência das implicações econômicas, sociais, antropológicas, ambientais, estéticas e éticas de sua atividade.”
Esta também é uma competência muito importante, afinal precisamos ter competência para saber de onde vem nossa profissão, e para onde vai. Não podemos nos encantar por modismos efêmeros.

Outro dia estava ouvindo alguém dizer que “o homem das cavernas já fazia design, enquanto preparava suas lanças para caça”. Aiiii! Mais essa ainda, então além dos surrealistas e dadaístas do design o troglodita também era designer? Besteira!

O design gráfico se aplica à Sociedade Industrial, porque essa ideologia de produção está impregnada ou permeada por todas as formas de produção contemporânea, o design nasce para solucionar a forma industrial, as Arts & Crafts eram artesãos e artistas produzindo formas para um determinado tipo de sociedade cuja ideologia ainda perdura.

Conclusão

O curso que foi proposto pelos colegiados no Unicentro Belas Artes, contempla todas essas competências e atende às Diretrizes Curriculares do MEC, no entanto não se restringe somente a isso, existem alguns diferenciais, a partir do fluxograma, percebe-se a ênfase na profissionalização. Analisando o fluxograma, na forma de matriz, vemos que nas células estão disciplinas, nas colunas os semestres em que estas ocorrem, e nas linhas a competências desenvolvidas.

A competência fundamental é a criatividade, ela é desenvolvida durante todo o curso porque está permeada em todas as disciplinas, inclusive nas disciplinas teóricas, não existem provas de múltipla escolha ou trabalhos dirigidos. Em todas as disciplinas são propostos problemas, pertinente aos conteúdos ministrados, os alunos são incentivados a propor soluções.

Por outro lado, também se observa uma grande área azul, que ocupa a maior parte do curso, praticamente um terço, mais de 1000 horas, é dedicado à competência de Expressão e Representação Bi e Tri dimensional. Por quê? Porque se trata da principal ferramenta de trabalho do designer.

Como foi dito o designer soluciona problemas através da forma, assim sendo não existe nenhuma outra linguagem para expressar a forma senão uma linguagem plástica. Dessa forma o desenho, a modelação, a fotografia, a ilustração, a computação gráfica, a animação, o vídeo, o cinema, entre outras formas de expressão.

A Expressão e a Representação são ferramentas de trabalho imprescindíveis profissionalmente, muitas vezes é confundida com a própria essência da profissão, ninguém confunde o estetoscópio com a medicina. Então porque confundem a computação gráfica com o design gráfico?

As disciplinas de projeto

Existem disciplinas de projeto em todos os semestres, afinal: “o designer faz projetos”, as dificuldades são graduais começando nos primeiros semestres, até a execução de projetos complexos e em equipes, os cursos têm sua “apoteose” no Trabalho Interdisciplinar de Graduação, que é um grande e complexo projeto, no qual em uma monografia em que o graduando justifica todas as suas soluções.

Disciplinas de profissionalização

O estágio é uma grande oportunidade para o estudante ingressar no mercado de trabalho. Por intermédio do estágio o aluno aplica as competências adquiridas no curso no ambiente organizacional.

Existem no curso disciplinas de orientação para acesso ao estágio e ao trabalho remunerado, como por exemplo: Mercado de trabalho e marketing pessoal na qual o aluno é preparado para planejar sua carreira, empresas e profissionais de sucesso fazem palestras em sala de aula, preparação de portfólios e prospecção de oportunidades de trabalho, entre outras atividades.

Sergio Casa Nova é professor e coordenador de cursos de design do Unicentro Belas Artes, de São Paulo, artista plástico, graduado em design industrial, mestre em engenharia automotiva, doutorando em projeto mecânico e atuou por mais de 36 anos nas indústrias automobilística, brinquedos e joalheria – sergionova@vivax.com.br

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Comentários (3)

 

  1. Francine disse:

    Ótimo artigo, Parabéns!

  2. Francina,
    Obrigada pelos parabéns que vou retransmitir ao Sérgio.
    Obrigada também por prestigiar meu site sobre design
    Aguarde novidades!

  3. Francine,
    Desculpe-me pelo “a” no final do seu nome no comentário anterior.

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