Os magníficos frascos e seus indescritíveis perfumes

Postado em: 02 / 02 / 2011

   
L'Air du Temps Eau de Parfum Nina Ricci 1948

L'Air du Temps Eau de Parfum Nina Ricci 1948

Suzana M. Sacchi Padovano

“Smell, like colour, is a biological phenomenon. It is not an intrinsic property of a molecule – it is what our cells feel when they touch it. In other words, it is a problem of molecular recognitio”. Luca Turin – Secret of Scent.

Quem não aprecia um delicioso perfume? Um inebriante odor seja ele proveniente da natureza, no caso de uma flor, e há tantas delas, tal qual jasmim, rosa, cravo, lírio do vale, magnólia, narciso, gardênia; ou então odores de frutas como morango, pêssego, maçã, abacaxi, melancia e coco ou modernos como ar fresco, chuva de verão, gelo seco ou outros odores pungentes como os do tabaco, couro, patchouli e pimenta?

A indústria dos perfumes veio suprir a necessidade de termos mais perto de nós e por mais tempo um aroma do qual gostamos. Não quero aqui citar a história, mas falo de carências mais recentes em que o ser humano induzido pelo marketing moderno procura embelezar-se e nutrir-se com bálsamos e especiarias, seja pelo mais puro prazer, por necessidades auto-afetivas ou por mero exibicionismo. Acredito também que pelas exigências da indústria, nunca ficaremos sem qualquer fragrância, desde as mais antigas às mais recentes, a não ser que essa seja uma escolha pessoal.

Jungle Eau de Parfum Kenzo 1996

Jungle Eau de Parfum Kenzo 1996

Atualmente temos uma vasta gama de perfumes estrangeiros e alguns nacionais. Mais de 500 novos perfumes são lançados no mercado a cada ano. Nossa escolha acaba ficando cada dia mais difícil, pois quase todas as fragrâncias atuais se assemelham muito, com pequeníssimas variantes. Os grandes lançamentos são 90% cítricos para o mercado masculino e tendem a ser 90% com odor de pêssego misturado com íris para o feminino.

Como escolher um novo perfume? Não tendo de antemão uma marca na cabeça, é um processo bastante confuso. Normalmente uma loja especializada já se encontra previamente perfumada. Os odores estão todos misturados no ar pelos compradores anteriores, pelos “testers” que foram abertos ou pelos clientes que chegam indevidamente perfumados.

Sair à procura numa nova idéia ou um novo conceito de perfume exige um pouco de espírito de aventura. Sorte de encontrar a opinião abalizada de um vendedor conhecedor de seu “métier”, ou a falta de sorte de encontrar um vendedor novato e feliz que poderá lhe oferecer uma dezena de perfumes e deixar você totalmente indecisa(o) porque: (a) são muito parecidos entre si (b) são muito doces (c) são muito cítricos (d) não apresentam um diferencial olfativo perante aqueles que você já possui (?). Se o cliente fizer cara de quem não sabe o que quer, o vendedor vai tentar lhe vender os últimos lançamentos, provavelmente de alguma atriz ou starlet americana tipo Sarah Jessica Parker, Paris Hilton ou Jennifer Lopez… nesse caso é preciso redobrar o cuidado!

Dolce Vita Eau de Parfum Dior 1995

Dolce Vita Eau de Parfum Dior 1995

A dúvida se instala, comprar por comprar sem gostar ou gostar mais ou menos de todos… Mas aí, a tentação arma uma cilada. Pensamos que não há mal em se levar algo novo para casa. Recentemente lemos em uma prestigiosa revista que houve o lançamento de perfumes de quatro famosos ateliers de moda internacionais e, eles estavam entre os dez que o vendedor havia mostrado, mas nenhum deles cheirava especial.

Entretanto seria terrivelmente bom estar “up to date” usando um deles nas festas com amigos. Afinal cheiros também elevam o status. Odores revelam bom gosto, atitude perante à vida, posição na escala social! Ou não?

Associar sua persona a uma marca de luxo é um verdadeiro sonho tornado realidade e perfume é um dos luxos mais acessíveis. Desfilar cheirando Infusion D’Iris (Prada/2007), Apple de Marc Jacobs (Marc Jacobs/2010), Eau Sauvage (Dior/1966) ou Azzaro pour Homme (Azzaro/1975) poderá ser altamente edificante para seu ego, talvez um pouco menos para o seu bolso.

Assim, numa escolha quase como entre a vida e a morte, há que se decidir por um deles. Qual será o fator de decisão? Bem, se todos os odores parecem quase iguais, ou muito semelhantes, pode-se conectar com o segundo maior fator de escolha de um perfume, se não for um dos primeiros para muitas mulheres e homens – o seu frasco!

No começo do século, antes da Primeira Guerra Mundial, as grandes Casas de Moda como Chanel, Lanvin e Patou, lançaram seus perfumes em frascos feitos por Lalique e Baccarat, que eram especializados em cristaleria. Seus frascos eram verdadeiras obras de arte.

Shalimar Parfum Guerlain 1925

Shalimar Parfum Guerlain 1925

Mais tarde com a democratização do perfume, surgiram as Eau de Toilette e Eau de Parfum e os frascos então também se simplificaram e foram industrializados, sendo até hoje feitos em vidro com tampas em plástico e outros materiais mais baratos para atender a demanda do “middle market”.

Ainda assim, as marcas de luxo investem uma grande quantidade de dinheiro no ramo da perfumaria e consequentemente nos seus invólucros. Falo não somente dos frascos, mas da embalagem como um todo. A caixa que protege o frasco é também motivo de investimento em design e complementa o conceito.

Os frascos estão sempre sendo alvo de design altamente sofisticado para atrair cada vez mais clientes, muitos deles olfativamente destreinados e pouco exigentes. Aqui no Brasil o mercado responde diferentemente. Ainda é um mercado insipiente e o investimento é pequeno comparativamente ao mercado perfumista estrangeiro.

Devo aqui abrir um parênteses, porque estaria sendo injusta se omitisse aqueles que são clientes fiéis de suas marcas, idólatras de seus odores – seus Chanel nº 5, (Opium (YSL/1977), Shalimar (Guerlain/1925), Polo (Ralph Lauren/1978), Eau Sauvage (Dior/1966), para falar dos odores mais tradicionais.

Mulheres e homens sofisticados, cheirosos, amantes de aromas elegantes que remetem ao divino, são narizes que podem cheirar múltiplas essências e distinguir várias notas que compõe uma fragrância. São “home experts” e não são presas tão fáceis das últimas novidades e ardis das marcas de luxo.

Trésor Eau de Parfum Lancôme 2007

Trésor Eau de Parfum Lancôme 2007

Entretanto é sabido que os perfumes tem sofrido reformulações e não são os mesmos que foram outrora. Obviamente as indústrias não revelam. As razões são múltiplas; materiais naturais são substituídos por sintéticos porque escassearam, desapareceram ou se tornaram muito caros e são substituídos por materiais mais baratos.

Também variam de cheiro conforme a colheita do ano. Alguns materiais devem se adaptar às leis de segurança da IFRA – International Fragrance Association. Quem conheceu e usou regularmente um perfume e for recomprá-lo hoje, ficará seguramente decepcionado. Somente seu nome e talvez o frasco mantiveram-se iguais.

Shalimar de Guerlain não é mais o mesmo. Seu frasco acabou de ser redesenhado e sua fragrância não é mais a mesma. Restou somente sua idéia e seu mito. J’adore, de Dior também. O frasco é igual, mas seu aroma é uma pálida idéia do que foi. Fleur de Rocaille, de Caron, cheirava a um inebriante bouquet de flores, mas hoje cheira a rosa ácida.

Assim, continuando, o fator de escolha recai inúmeras vezes no design dos frascos, quando o comprador não tão versado na ciência, desorientado pelos odores semelhantes, pelo vendedor desarticulado e pelo ambiente já odorizado, sucumbe ao forte apelo visual da embalagem.

Esse é o “ardil” mais fácil, que os usuários devem enfrentar porque é uma atração indescritível; escolher entre os belos frascos coloridos, de ricos formatos geométricos ou orgânicos, altos ou baixos, em vidros brilhantes ou foscos, com acabamentos em metal, madeira e plásticos rebuscados; com tampas em metal dourado, prateado, acobreado, transparentes ou sólidas, com uma riqueza de estampas e detalhes de ressaltos ou rebaixos, logos exóticos, caixas suntuosas em papelões aveludados que antecipam o prazer do nobre encontro com a fragrância desejada, cobiçada (?), mas quase incógnita. Momento este que se assemelha ao prazer que nos daria o encontro com um sedutor amante secreto.

Royal Dove Eau de Parfum Delagar 1960/80

Royal Dove Eau de Parfum Delagar 1960/80

O design de produto e gráfico, portanto, tem um papel preponderante no mundo da perfumaria. Como somos, por natureza criaturas visuais e táteis, queremos ser sensibilizados pelos objetos. Um perfume nos propõe três tipos bem fortes de sensibilização: a olfativa, a visual e a tátil. O Perfume é um objeto de alto sentido, porque traz prazer e função. Desde sua embalagem até seu conteúdo liquido com seu odor.

Se a nossa aventura pela descoberta de um novo perfume for motivada pela busca por novo cheiro ou por uma memória olfativa ou ainda pela busca de status ou um impulso consumista, ou quem sabe algum imperativo estético, devemos estar conscientes de que, de qualquer forma, estamos presas (os) a outro imperativo da nossa era, o econômico. Dessa forma, mesmo pensando em todos os aspectos de sustentabilidade, por uma razão ou por outra, acabaremos por comprá-lo.

Obs.:

1ª Este artigo foi publicado originalmente no blog (sacchidesigners.com.br/blog) da autora, Suzana M. Sacchi Padovano, que é designer e colecionadora de frascos de perfumes.

2ª As fotos são de autoria de Suzana M. Sacchi Padovano e os frascos fotografados fazem parte de sua coleção. As referidas fotos não podem ser reproduzidas.

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