A leitura, o desenho e o computador para o designer

Postado em: 01 / 05 / 2011

 

Paulo Granato

Paulo Granato

Paulo Granato

Este artigo pretende trazer à tona uma discussão importante para a formação do designer. Qual a importância dos livros na formação de um designer hoje? Estariam os designers entretidos demais com a tecnologia e lendo menos textos? E o desenho? Será que o computador está substituindo o lápis e o papel?

É importante então que haja uma reflexão sobre o que vem acontecendo dentro das universidades, pois se percebe que o computador está cada vez mais tomando o lugar do lápis e dos livros. E isso do ponto de vista da formação do designer, é um fator preocupante. 

 

A leitura

Como em qualquer profissão que se preze, ler é fundamental para a formação do ser humano em qualquer estágio da vida. Quando o aluno se prepara para entrar na faculdade ele geralmente passa por um período intenso de leitura, mas quando entra em um curso de design, às vezes acha que vai ficar apenas desenhando, fazendo projetos e construindo coisas. É aí que muitos se enganam. Às vezes não se dá a devida atenção à leitura.

Com a Internet, se adquiriu o hábito de ler textos curtos em uma tela e ler e-mails e mensagens no celular. A leitura de textos mesmo em formato digital se torna coisa comum. Apesar disso, parece que as pessoas têm cada vez menos paciência em ler qualquer coisa. Nesse processo da leitura, não nos esqueçamos dos livros, das revistas e dos jornais, dentro e fora da área do design.

 

A capa do livro de Jessie Willcox Smith mostra que a leitura deve começar na infância

Ilustração de Jessie Willcox Smith mostra que a leitura deve começar na infância

Primeiramente, deve-se adquirir o hábito da leitura diária de alguns jornais de circulação nacional e local que darão conhecimentos gerais ao designer. Isso cria a base de seu pensamento crítico, tornando-o capaz de se posicionar frente a diversos assuntos.  Quanto às revistas é sempre bom dar uma olhada nas revistas semanais de informação e nas revistas de cultura e de negócios.

Não se trata de ler a revista inteira, mas dar uma espiada, “garimpar” e ver o assunto que interessa, enfim, ter no mínimo curiosidade para isso. O designer deve também procurar, é claro, as publicações específicas de sua área, as revistas nacionais e internacionais e o vasto conteúdo existente na Internet na qual há muitas coisas boas a serem exploradas desde artigos científicos sobre design produzidos para congressos e seminários, até textos contidos em sites de escritórios de design e blogs e portais dedicados ao tema Design como o próprio BDxpert.

Com uma grande atenção hoje voltada à Internet não podemos nos esquecer do papel fundamental exercido pelos livros impressos. Deve haver um investimento constante de um designer que ainda não se formou e até do profissional já formado em adquirir livros nacionais e estrangeiros de forma habitual. Existem diversas editoras excelentes com publicações que são imprescindíveis na formação na preparação do designer. Deve-se adquirir o hábito de se ler livros sempre. Apesar do grande avanço e glamour em torno do mundo digital ainda há a necessidade de se folhear os livros, de sentir o cheiro da tinta e de se ter o livro como um objeto que possa ser transportado, lembrando que muitos desses livros ainda não estão presentes no formato digital, daí a sua importância.

É importante que se saiba também dosar o tempo gasto lendo qualquer coisa, pois ninguém vai ficar apenas lendo sem fazer outras coisas importantes.  Percebo uma atenção exagerada dada ao computador em algumas faculdades de design e a falta de estímulo à leitura. Parece que a única preocupação é se a instituição tem ou não aquele computador de última geração e se tem ou não aqueles programas gráficos mais recentes do mercado.

Os alunos de design devem ser incentivados a ler mais, mas isso não acontece por encontrarmos algumas barreiras no meio do caminho. Primeiro, é a falta de interesse pela leitura demonstrada pelos próprios alunos. Segundo, é a falta de incentivo por parte de algumas instituições de ensino.

 

Livros de arte sobre a história dos designers e a nossa cultura ajudam na formação do designer

Livros de arte sobre a história dos designers e a nossa cultura ajudam na formação do designer

 

O terceiro e último fator é a indisponibilidade de revistas e livros na instituição e a não aquisição dos livros pelos estudantes. Poucos alunos compram os livros, preferem comprar um computador. Não havendo os livros na faculdade, o aluno não compra livros na quantidade que deveria. Entra aí também a dificuldade em adquirir os livros por problemas financeiros do próprio estudante.

Toda essa conversa me fez lembrar uma visita que fiz há alguns anos à Seragini Design, na qual havia uma estante em cada andar do prédio que estava abarrotada de livros demonstrando um hábito regular do escritório na compra de livros de design para se atualizar, principalmente de livros importados para ver o que está acontecendo no mundo.

Lembro-me também da visita que fiz à casa de Alexandre Wollner onde conheci sua vasta estante de livros e suas assinaturas de periódicos de design como a revista inglesa Baseline, entre outras, enfatizando a necessidade de o designer se manter constantemente informado e atualizado. Quero ressaltar também o escritório GAD que em sua revista D2B – Design to Branding Magazine, indica nas suas páginas finais sugestões de livros interessantes sobre design e outras áreas.

Lembro-me também do designer Gilberto Strunck com uma frase sua da qual gosto muito e se tornou famosa, ele diz: “Os designers veem muitos livros de figurinhas e leem poucos de letrinhas.” O que Strunck nos ensina é que o designer deve ler mais livros de letrinhas e também se preocupar em ver livros e revistas que tragam imagens para que sua cultura e suas referências visuais se ampliem. Uma cena cada vez mais rara nas faculdades é alunos folheando revistas de design e olhando as imagens. Deve-se dedicar um tempo a isso também.

 

Livros como "Design Gráfico - Uma História Concisa", de Richard Hollis, ajudam a aprender sobre o design

O livro "Design Gráfico - Uma História Concisa", de Richard Hollis, ajuda a aprender sobre o design

 

A leitura é um importante hábito na formação de qualquer cidadão. Lê-se muito pouco no Brasil e essa realidade se constata nas universidades. Alunos têm dificuldades em se expressar sob a forma verbal e escrita. Onde está o problema? Falta de leitura. Adquirindo o hábito da leitura treina-se a organização de idéias e o preparo para redigir textos que tenham relevância no mercado e na academia. Adquirindo o hábito da leitura, se torna mais fácil também adquirir outro hábito fundamental, o da escrita.

Sendo assim, o designer estará mais preparado para escrever seus trabalhos acadêmicos, preparar um relatório para o cliente e também se preparar para uma apresentação oral. Dentre tantas habilidades cobradas hoje no mundo dos negócios, a de se expressar sob a forma escrita é uma das mais importantes. Enfim, ler é se preparar-se para a vida! Desenvolver o hábito da leitura na faculdade é necessário dentro e fora dela. O resultado e as vantagens disso é que o designer aumentará sua cultura geral e será capaz de se expressar melhor em qualquer lugar.

 

O desenho

O designer de Avatar e Star Trek, Neville Page, começa todos os seus personagens com lápis e papel

O designer de Avatar e Star Trek, Neville Page, começa todos os seus personagens com lápis e papel

 

O desenho é uma ferramenta de expressão e criatividade importante para o designer. De posse de apenas um lápis e um papel em branco o indivíduo é capaz de dar forma a uma ideia. É uma habilidade simples e que traz rapidez à exposição de ideias que vão se transformar em esboços, ilustrações, layouts, esquemas etc.

Essa necessidade de desenhar pode acontecer a qualquer hora, em qualquer lugar, sem depender de eletricidade ou de qualquer equipamento, utilizando-se apenas o cérebro e as mãos. Apesar de sua importância, estão surgindo situações em que o desenho está sendo deixado de lado e até sendo ridicularizado por pessoas e instituições.

No Brasil algumas faculdades de design aboliram a prova específica em que o desenho é uma das habilidades mais procuradas. Com a ênfase exagerada na computação existe uma corrente que quer eliminar o desenho como uma etapa importante na elaboração de projetos que se iniciam e terminam unicamente no computador. Entretanto, diante dessa discussão acontecem situações distintas e interessantes.

Existem alunos que começam e acabam o trabalho no computador e o resultado fica ótimo; outros começam no computador e o resultado final não fica muito bom. Outros começam um trabalho à mão e não conseguem finalizar a ideia que tiveram no computador! Muitos têm muitas ideias e não conseguem expressá-las nem no computador nem à mão.

 

Leonardo da Vinci mostra com seu homem vitruviano a importância de se expressar ideias pelo desenho

Leonardo da Vinci mostra com seu homem vitruviano como o desenho à mão comunica ideias

Enfim, não se trata aqui de abandonar uma técnica e se ater a outra e sim de explorar a intuitividade e a espontaneidade do desenho como forma de expressão inicial de um projeto de design. Afinal, ninguém vai ficar apenas desenhando. É importante que haja um computador nesse processo que torne o trabalho mais fácil de ser finalizado.

Mas não se pode, como querem  alguns, esquecer do desenho. Não se deve massacrá-lo e repudiá-lo como alguns ilustres representantes da nossa academia e do mercado estão fazendo. Para defender o desenho vou utilizar as palavras de Paul Rand e de Alexandre Wollner: “Nunca se deve começar um trabalho pelo computador”. Até o designer David Airey com seu famoso blog sobre design, Logo Design Love, enfatiza a necessidade de um designer andar com um sketchbook e iniciar seus trabalhos com layouts feitos à mão.

Existem designers que são excelentes e não sabem desenhar. Apenas sugere-se que não se elimine o desenho. Então, aqueles que souberem expor suas ideias com um lápis, que o façam e que possam se expressar e não fiquem dependentes do computador.

 

O computador

O uso do computador e da tecnologia tem se tornado cada vez mais expressivo na vida das pessoas e a tendência é que isso aumente cada vez mais. Para o designer então, ele se tornou imprescindível e abriu-se para ele um leque interminável de soluções.

Quando o computador surgiu e foi evoluindo, provocou não só uma revolução em termos de design e usabilidade do próprio equipamento, como trouxe aos designers os softwares de manipulação de imagens, fontes, cores, fechamento de arquivos, concepção de objetos, modelagem, protótipos e efeitos 3-D que tornaram sua vida mais fácil e seu trabalho mais rápido e eficiente.

 

O computador se tornou imprescindível para o designer, mas não deve eliminar o lápis e papel

O computador se tornou imprescindível para o designer, mas não deve eliminar o lápis e o papel

Depois de um tempo surgiu a Internet o que nos conectou com o mundo e se tornou uma ferramenta indispensável de pesquisa, de busca de informações, de aprendizado, de conectividade e de comunicação instantânea. Isso tudo é maravilhoso e super importante para um estudante e para um profissional de design. É impossível descartar o computador nos dias de hoje.

Não se discute aqui a importância disso tudo e sim a forma e a frequência com que essas tecnologias vêm sendo usadas nas escolas. Cada vez mais os alunos vão trazendo seus laptops e notebooks para a sala de aula e cada vez prestando menos atenção às aulas.

O mundo digital é maravilhoso, mas devemos nos lembrar que vivemos também no mundo real. O problema então reside no fato de que está havendo em muitos casos um excesso de atenção dada ao mundo do computador. Devemos dosar essa atenção se quisermos formar um profissional completo.

Há algumas décadas, o paste-up era um processo fundamental na vida do designer. Ele não tinha outra opção a não ser realizar esse processo de forma manual. O computador veio para tornar tudo isso mais fácil. É praticamente impossível descartar a rapidez e as inúmeras vantagens que um computador traz aos designers, mas dentre essas vantagens, existem vícios e comportamentos que deviam ser olhados com mais atenção.

Tudo é muito fácil e rápido, às vezes as pessoas não sabem nem por onde começar um trabalho, não sabem mais para que serve um lápis, não escrevem, não desenham, entram em sites que não ajudam em nada, há uma pseudo-pesquisa (feita rapidamente em alguns sites medíocres) e qualquer um faz o trabalho de design. Em suma, alguns ficaram com preguiça de ler, de falar, de desenhar e de escrever.

 

Isso tudo me faz lembrar novamente Alexandre Wollner, que demorou alguns anos para entrar no mundo do computador, tendo usado durante anos o lápis e o papel como principal elemento de expressão na concepção de um projeto de design. E depois de muito tempo, finalmente aderiu ao equipamento para finalizar seus projetos.

Dalton Maag numa entrevista que concedeu contou que certa vez pediu para alguns candidatos ao cargo de designers em seu escritório que largassem por um tempo seus maravilhosos laptops e desenhassem e recortassem algumas tipografias à mão. O resultado é que alguns, bastante enfurecidos, desistiram do emprego e outros não conseguiram fazer nada usando as mãos, demonstrando sua total falta de habilidade e experiência manual.

Outro exemplo excelente que gosto de citar é o do curso Abril de Jornalismo em revistas que tem por tradição selecionar candidatos a estagiar em suas revistas e que promove uma sessão de colagem de tipografias no chão, o que deve assustar muitos dos que usam apenas o computador.

 

Conclusão

Cada vez mais o computador faz parte da vida de todos nós. A tecnologia é maravilhosa e nos tornamos dependentes dela. Mas tenho percebido uma ênfase exagerada, principalmente em algumas faculdades em supervalorizar o computador e se esquecer de que designers também têm que desenhar, expressar suas ideias no papel e ler livros.

A rapidez do computador tem feito alguns designers se esquecerem do desenho, dessa importante ferramenta de criatividade e expressão, tão importante em sua formação; e dos livros, companheiros indispensáveis na formação de qualquer profissional competente.

 

Escola de Chambery, França, não economizou investimentos na biblioteca

Escola de Chambery, França, não economizou investimentos na biblioteca

 

Enfim, existe hoje muita computação, muita Internet e pouco desenho. Existe pouca leitura de livros e havendo pouca leitura, existe pouca reflexão e poucos que escrevem e se expressam sob a forma escrita e assim têm e terão dificuldades em falar de design para seus colegas, professores e futuramente, seus clientes.

Ou seja, não se trata só de fazer design e sim escrever sobre design, refletir, pensar e se expressar melhor. O designer tem que desenvolver a habilidade e a arte de escrever bem e para isso ele precisa adquirir outro hábito, o de ler muito. Há uma preocupação muito maior em fazer design do que de ler sobre design e escrever.

Resumidamente a dica é: leia textos concisos sobre o assunto, folheie livros e revistas com imagens, comece a esboçar suas idéias no papel e finalize-as no computador. Depois imprima o resultado, cole na parede, observe e comece tudo de novo.

O que se discute aqui é o processo e a metodologia, como fazer as coisas e não cada técnica em si. Vivemos em uma sociedade em que a pressa tomou conta de nossas vidas. Some-se aí a falta de paciência ou a falta de planejamento de tudo.

Sendo tudo muito rápido, queimam-se etapas. Existem os momentos de leitura e reflexão, existe o momento de rabiscar ideias no papel, existe o momento de usar o computador. Todos são importantes e deveriam ser bem dosados na vida do designer.

Paulo Granato de Araújo é professor do curso de Design da PUC-GO; mestre em Administração pela UNISINOS pgranato@uol.com.br

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Comentários (1)

 

  1. elizabeth disse:

    muito bom o texto, e de extrema importância..

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