Desafios do ensino superior de design em seus 50 anos
Postado em: 09 / 05 / 2011
Flávio Anthero dos Santos
Considerando-se a fundação da ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial) como o ponto de partida para o ensino formal de Design no Brasil em nível superior, estamos prestes a completar cinco décadas dessa atividade educacional em nosso país. Analisando a evolução da oferta de cursos, modalidades de formação e impactos das novas tecnologias, percebemos que muitas mudanças ocorreram durante estes 50 anos, mas não necessariamente para melhor. Observando os fatos mais relevantes que interferiram na atividade de ensino de Design nos últimos tempos podemos destacar alguns acontecimentos que ocasionaram mudanças de rumo e obrigaram as instituições de ensino a se adequar às novas realidades.
Podemos destacar como um fato relevante a extinção do currículo mínimo e a posterior elaboração das diretrizes curriculares nacionais para o ensino de Design, o que trouxe mais flexibilidade aos componentes curriculares, mais liberdade para a criação de projetos pedagógicos com ênfases distintas, mas também gerou distorções na fragmentação excessiva da formação em Design (com a criação de inúmeros cursos com habilitações diversas) e permitiu a criação de matrizes curriculares com problemas conceituais e estruturais.
Em paralelo à implantação dessas novas diretrizes curriculares houve um crescimento significativo na oferta de cursos superiores em Design no país, muitos deles ofertados sem uma demanda clara de mercado, sem o acompanhamento de profissionais com formação na área e com sérias distorções em seus projetos pedagógicos. Além da deficiência de formação dos docentes e coordenadores de cursos, sem falar nas questões de infraestrutura.
Ao mesmo tempo, para atender a essa crescente demanda por autorização e reconhecimento de cursos, o Ministério da Educação reformula e implanta uma nova política de avaliação do ensino superior que privilegia resultados quantitativos em detrimento de resultados qualitativos, pela simples impossibilidade de se medir de forma eficaz estes últimos em meio à profusão de instituições de ensino e cursos superiores por todo o país, o que reduziu a qualidade geral da oferta dos cursos em nossa área.
Em meio a essas mudanças, percebemos também o crescimento da oferta dos Cursos Superiores de Tecnologia, que em um primeiro momento careciam de uma melhor organização e formatação por parte do MEC, mas que posteriormente foram sistematizados através do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia.
E, mais recentemente, em uma tentativa de organizar também a oferta dos Bacharelados e Licenciaturas, a Secretaria da Educação Superior, por intermédio do Projeto Referenciais Nacionais dos Cursos de Graduação, determina que as mais de 50 denominações diferentes de Bacharelados em Design encontradas no país sejam convergidas para Bacharel em Design ou Curso Superior de Tecnologia nas áreas previstas no respectivo catálogo (Produto, Gráfico, Moda, Interiores, Produção do Vestuário, Produção Joalheira, Produção Áudio Visual, Jogos Digitais e Produção Multimídia).
Na prática, isso significa que as instituições que desejarem manter a formação de bacharelado poderão outorgar apenas o título de bacharel em Design aos seus egressos. Aquelas que desejarem manter a formação e a titulação nas áreas específicas deverão converter seus projetos pedagógicos de Bacharelado para Cursos Superiores de Tecnologia.
A princípio, observamos uma volta às origens do ensino de Design no Brasil, quando era oferecido o curso de Desenho Industrial, inicialmente sem identificação de habilitações ou segmentações de mercado, estando o egresso habilitado a desenvolver projetos em suas várias áreas de abrangência a partir de uma formação sólida nos fundamentos da profissão.
De acordo com definições de especialistas em educação, os Bacharelados são como piscinas mais largas e compridas, porém, menos profundas nas quais o aluno transita por vários temas, mas não chega a aprofundar especificamente em nenhum deles, o que ficaria a cargo das pós-graduações. Já o Curso Superior de Tecnologia é como uma piscina curta, porém, mais profunda, uma delimitação feita em determinada área do conhecimento na qual o aluno se especializa ainda na graduação.
Observando essas definições e a proposta de organização dos cursos de Design feita pelos técnicos do Ministério, questiona-se a adequação da convergência dos Bacharelados para uma formação única e supostamente generalista (Design) enquanto alguns dos Cursos Superiores de Tecnologia previstos para a área também permitem uma formação ampla, transformando-se em mini bacharelados, com carga horária reduzida, mas pretendendo ofertar a mesma formação (ou muito semelhante) de um Bacharelado.
A partir dessa lógica de funcionamento, os Cursos Superiores de Tecnologia para a área do Design deveriam ser um recorte mais específico da área e não um recorte amplo como no caso do CST em Design de Produto, por exemplo. Para a formação do Tecnólogo, essa delimitação deve ser mais precisa, permitindo uma efetiva diferenciação entre o que será estudado em cada modalidade de curso e ofertando opções que estejam de acordo com as áreas específicas de atuação no mercado: Design de Móveis, Design de Veículos ou Automotores, Design Náutico ou Design Cerâmico, entre outros. O mesmo vale para o CST em Design Gráfico ou Design de Moda, ao passo que a estrutura do CST em Design de Interiores e em Jogos Digitais já realizam o recorte mais específico da área, por exemplo.
Para que essa nova estrutura dos cursos de Design seja reconhecida como um benefício para instituições de ensino e alunos de graduação, preparando melhores profissionais para a sociedade, deve haver uma clara distinção entre os prós e contras de cada tipo de oferta, sua duração, objetivos de formação, obrigatoriedade de estágio curricular, possibilidades de iniciação científica e outras atividades acadêmicas, o que não se percebe claramente na proposta atual e nas delimitações e recortes propostos.
Assim, aquele que deseja a formação específica em uma determinada área de atuação do Design, não se interessando por outros segmentos, pode optar pelo Curso Superior de Tecnologia, enquanto o aluno que deseja uma formação mais ampla pode optar pelo Bacharelado e se especializar posteriormente.
Essa escolha deve ser motivada pelas possibilidades de formação e atuação profissional que o candidato deseja e não apenas por questões econômico-financeiras que levarão em conta exclusivamente o tempo de formação em relação aos investimentos necessários para a conclusão do curso e obtenção do título.
A organização da oferta dos Bacharelados na área de Design é importante e necessária, não se questiona sua relevância nem os impactos positivos que pode trazer. Todavia, para que as instituições de ensino possam ajustar-se de forma adequada e a sociedade possa entender as diferentes propostas e tomar as decisões certas, alguns ajustes e esclarecimentos ainda são necessários para evitar que essa mudança venha a trazer mais distorções e prejuízos do que benefícios para a formação dos designers.
O Prof. Dr. Flávio Anthero dos Santos é pesquisador e docente do Programa de Mestrado Acadêmico em Design da UDESC e coordenador do MBA em Gestão Estratégica do Design da UNIVALI.